terça-feira, 17 de novembro de 2009

A rodovia dos Índios


A cultura de um povo em risco...


Uma estradinha de cascalho fora aberta em meio a Terra Indígena Utiariti no início da década de 1990. Naquela época, Campo Novo do Parecis, hoje uma cidade rica e próspera, era um pequeno amontoado de casebres e uma grande concentração de colonos dispostos a desbravar o que fora chamado de “chapadão inóspito e triste” por Roquette-Pinto em 1917.

Antes de abrir a precária estrada, o então prefeito campopareciense, Zeul Fedrizzi, procurou lideranças indígenas da etnia Paresi-haliti e, por diversas vezes teve um ‘não’ como resposta. João Arezomae (João Garimpeiro), o cacique-geral, foi um dos que negou “de pés juntos” a abertura do caminho ligando os rios Verde e Papagaio, limite geográfico das terras deste povo.

Depois de muito diálogo, Fedrizzi conseguiu convencer os indígenas sobre a importância de se ter uma estrada passando pelas aldeias. Em 1991, ele colocou as máquinas da Prefeitura para abrir o que ele próprio chama de ‘picada’. Motosserra, trator e um correntão foram usados para abrir um corredor em meio ao cerrado que predomina(va) nesta região.

O que ele [Zeul] não esperava é que a Justiça interviesse. Em 1991, quando a estrada já cortava a imensidão Utiariti, o ex-prefeito foi processado por abrir a trilha em terra indígena, ‘intocável’ na época. Hoje, João Garimpeiro, com 99 anos, diz que naquele tempo a Fundação Nacional do Índio (Funai) era ‘mais ruim de mexer’. Zeul responde ao processo até hoje.

Dezoito anos se passaram e a estradinha arenosa virou rodovia estadual asfaltada, batizada de João Arezomae (MT-235), uma homenagem ao ancião chefe do povo Paresi-haliti. Ao discursar para políticos e centenas de populares as margens do Rio Papagaio, no dia da inauguração, o ancião de voz cansada e palavras mal pronunciadas, disse: “índio qué estrada, mas qué cultura de índio preservada também”.

A rodovia passa próximo as aldeias Seringal, Bacaval e 04 Cachoeiras e trará muitos benefícios aos povos que ali habitam (transporte, educação, saúde, renda), mas este progresso deve custar caro. A indescritível cultura de um povo, o colorido de seus penachos, o ruído uníssono de suas canções e a inigualável beleza de suas matas e rios estão em xeque-mate.

Os penachos já dão lugar, há tempos, ao jeans e o som já tem outras notas. Os mais jovens dirigem camionetas 4x4, cantam sertanejo e dançam ‘psy’. Lhes é proibido vender bebidas alcoólicas, mas mesmo assim, eles tem acesso fácil a estas ilicitudes. As matas, que há muito vêm sendo alvo de queimadas e degradações, irão pelo chão.

Os paresi são pioneiros no plantio de soja, arrendam suas terras para sojicultores e já enfrentaram a Funai para poder fazer isso. Em 2004, a cacique Miriam Kazaizokairo declarou: "O artesanato não tem mais valor e a soja é vendida em dólar". Na mesma ocasião Miriam disse que a entidade não atende mais às necessidades dos índios e que eles já adquiriram outra cultura. "Se ficarmos parados no tempo, vamos virar peça de museu", garantiu.

O que dizer de tudo isso se os próprios índios paresi são favoráveis? “Ninguém mantém a cultura morrendo de fome”, relatou um. Atualmente a soja é um tapete verde entorno das aldeias e a caça e a pesca não são mais a principal fonte de alimentação deles. O contato com a civilização criou nos índios necessidades novas, resta saber se eles derrubarão a floresta nativa de suas reservas para a expansão da produção agrícola.